O episódio que vos vou contar tem muito que se lhe diga e, por isso mesmo, traduzir-se-á num extenso post. Ontem, num dia que era suposto ser de festa, a festa de final do ano lectivo, aconteceu algo que me tocou profundamente. No meio da alegria de pais e filhos, no meio das canções e danças, da excitação do espectáculo final, eis que ouço um soluçar intenso, um choro completamente descontrolado, um misto de tristeza e desespero.
Era mesmo atrás de mim e então reparei que uma criança, uma miúda, chorava e gritava enquanto algumas pessoas a abraçavam e tentavam consolar. Tentei perceber qual o problema, de que se tratava, mas o barulho impedia-me de perceber o que quer que fosse. Passados alguns momentos, consegui aproximar-me e questionei o que se passava. A miúda chorava cada vez mais, enontrava-se num estado de nervos que dava dó. Alguém me respondeu: É o pai dela que faz a vida negra à mãe.
Naquele momento reconheci imediatamente a miúda. Já conhecia a história. A irmã dela era minha aluna também. Logo no início do ano fui alertada por uma tia que me informou da situação dramática daquela famíla. Esta tia queria pedir-me que estivesse atenta a quaisquer sinais de perturbação da aluna que afectassem o seu rendimento escolar. Segundo sei, os pais decidiram separar-se, mas continuam a travar batalhas diariamente em frente das filhas com 9, 10 anos. Utilizam-as como armas de arremesso, não pensam no mal que lhes estão a provocar e nas consequências que daqui poderão advir. Armam confusão em casa ou em locais públicos, manipulam as crianças para se atingirem mutuamente...enfim histórias lamentáveis. Mas voltando à Joana (é este o seu nome).
A Joana continuava numa aflição total, completamente alterada. Eu só conseguia imaginar aquele sistema nervoso prestes a colapsar. Sim, porque é isso que acontece mais cedo ou mais tarde. E não poderia deixar de pensar para mim mesma: Que raio de pais são estes, que não o merecem ser ?! Que monstros são estes que provocam este tipo de comportamento em crianças tão pequenas? A Joana devia estar feliz. Era finalista, era o dia de reconhecimento do esforço e trabalho dedicados ao longo de um ano de aulas.Havia música, havia alegria, havia família...mas para a Joana havia dor, uma dor tão insuportável que ela libertava com o choro. Lembrei imediatamente a irmã Natacha, uma menina tão frágil que cheguei a sentir pena dela. A cabeça, ocupada com problemas, não a deixava concentrar na escola e, por isso, sempre foi uma aluna fraquinha. Às vezes, corria para mim e abraçava-me. Lamento tanto não a ter abraçado com mais força e mais vezes.
Este assunto das guerras entre pais, da falta de amor entre pais, do porem-se a si primeiro, antes dos filhos que não pediram para nascer....é um assunto que me deixa muito triste, profundamente triste. Também eu sei o que isso é. Espanta-vos esta confissão? Pois é, também eu sei o que é viver no meio de uma família assim. Posso assegurar-vos que é das piores coisas do mundo e que as marcas perduram. É mesmo muito difícil ultrapassar uma situação assim. Percebi cedo demais que a minha famíla tinha uma casa, carros, coisas para nos dar...mas faltou o essencial. Tenho total convicção disto que estou a dizer. Famílias onde não existe o Amor são famílias necessariamente mais pobres. Pobres de alma, de força, de vitalidade, de esperança e união.
Eu entendo a Joana, a Natacha e todos os outros que sofrem diariamente e enfrentam este drama. Sim, porque isto é um drama.
Dei um pequeno abraço à Joana, disse-lhe que aquele era o dia dela, um dia para estar feliz, mas ela, no fundo, nem me escutava. Eu entendo. Tenho 26 anos e essa dor, essa mágoa, essa desilusão também faz parte de mim, ainda hoje. São marcas terríveis que moldam a personalidade e nos tornam necessariamente mais frágeis, mais tristes e menos seguras. Muitas são as vezes em que dá vontade de desaparecer...dói tanto....
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